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19 de Abril de 2024

Padre é condenado a pagar danos morais por impedir interrupção de gravidez

há 7 anos

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um padre do interior de Goiás a pagar indenização de danos morais no valor de R$ 60 mil por haver impedido uma interrupção de gestação que tinha sido autorizada pela Justiça.

Em 2005, o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz impetrou habeas corpus para impedir que uma mulher grávida levasse adiante, com auxílio médico, a interrupção da gravidez de feto diagnosticado com síndrome de Body Stalk – denominação dada a um conjunto de malformações que inviabilizam a vida fora do útero. No habeas corpus impetrado em favor do feto, o padre afirmou que os pais iriam praticar um homicídio.

Acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma entendeu que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.

Ao saber que o feto não sobreviveria ao parto, os pais, residentes na cidade de Morrinhos, a 128 quilômetros de Goiânia, haviam buscado – e conseguido – autorização judicial para interromper a gravidez.

Durante a internação hospitalar, a gestante, já tomando medicação para induzir o parto, foi surpreendida com a decisao do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento.

A grávida, com dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se seguiram, assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. O casal ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, que preside a Associação Pró-Vida de Anápolis. Não obtendo sucesso na Justiça de Goiás, recorreu ao STJ.

Aterrorizante

Em seu voto, Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos sofridos pelo casal.

“Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido”, disse.

A ministra afirmou que o caso deve ser considerado à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, julgada em abril de 2012, quando se afastou a possiblidade de criminalização da interrupção de gestação de anencéfalos.

“É inegável que ambas as condições, anencefalia e síndrome de Body Stalk, redundam, segundo o conhecimento médico atual, na inviabilidade da vida extrauterina”, comparou a ministra.

Embora o julgamento da ADPF tenha sido posterior ao caso, a ministra assinalou que a orientação manifestada pelo STF não tem limites temporais, e já em 2005 era a mais consentânea com as normas constitucionais, inclusive pela reafirmação do caráter laico do Estado brasileiro e pelo reconhecimento da primazia da dignidade da gestante em relação aos direitos de feto sem viabilidade de vida extrauterina.

Ação temerária

A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”.

De acordo com a ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os direitos inatos da mãe e do pai”, que contavam com a garantia legal de interromper a gestação.

Andrighi refutou ainda a ideia de que a responsabilidade não seria do padre, que apenas requereu o habeas corpus, mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que efetivamente proibiu a interrupção da gestação.

Segundo ela, “a busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito”.

A turma condenou o padre ao pagamento de R$ 60 mil como compensação por danos morais, valor a ser acrescido de correção monetária e juros de mora a partir do dia em que a recorrente deixou o hospital.

Esta notícia refere-se ao (s) processo (s): REsp 1467888

  • Sobre o autor" A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade" Ruy Barbosa.
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12 Comentários

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Mesmo reconhecendo o sofrimento do pai e da mãe, e apesar de parecer absurdo, eu discordo da decisão do STJ.

Em primeiro lugar, o padre tem direito de credo tanto quanto os pais da criança, se ele agiu com base na fé dele de que os pais estariam matando um cristão, não vejo o porquê de puni-lo.

A criança também tem direito ao livre credo e caso ocorresse um milagre (na acepção na palavra, sem choro sobre o que os laudos médicos constataram porque não é de ciência que estou falando) e ela nascesse sadia, acredito que ela preferiria agradecer ao padre ao invés de cobrar-lhe por danos morais.

Por fim, acredito que o abuso de direito para ser indenizável teria que ser evidente de tal modo que não suscitasse dúvida jurídica quanto sua ocorrência, o que não é o caso, pois que o próprio Tribunal de Justiça recebeu Habeas Corpus impetrado pelo padre e, inclusive, negou o pleito dos pais em cognição ordinária.

Oras, como é abuso de direito se existe dúvida plausível sobre o direito controvertido?!

Meu ponto é o de que o Estado, por meio do Poder Judiciário, quem deveria cuidar de evitar tais danos surgidos de pleitos ao que me parece muito justificados, pois se havia controvérsia suficiente para o manejo do remédio constitucional cabia ao Judiciário impedir que disso surgissem danos irreversíveis (requisitos das tutelas de urgência/provisórias).

Ao que me parece a nobre ministra tomou as dores da mãe, mas evitou imputar ao Estado sua própria responsabilidade pelo ocorrido...(mas alguém tinha de ser punido não é?!) continuar lendo

Tanta coisa errada nesse seu texto que ficaria cansativo demais responder.

"A criança também tem direito ao livre credo e caso ocorresse um milagre (... porque não é de ciência que estou falando) ..."

Pois é. Você não está falando de ciência mesmo. Obviamente nem tem uma boa ideia do que a palavra significa.
Entretanto, o Estado é laico. Deve ser regido e decidir com base em informação, não em credo (seja de que religião for). E, fique sabendo, informação de qualidade se obtém através do método científico, não através de livros de mitologia.

Entenda, ainda, que todo recém nascido é ateu!
Ninguém nasce cristão, ou muçulmano, ou judeu, ou xintoísta, ...
Entretanto, seus pais (se religiosos) não respeitam essa liberdade.
Pouco depois do nascimento já os batizam ou até lhes retiram o prepúcio, sem pensar se a criança teria escolhido passar pela circuncisão acreditando que deus ficará mais feliz dessa forma.
Doutrinam a criança desde antes que comece a falar, na crença que é dos pais, não da criança.
Usam de lavagem cerebral, tortura e chantagem emocional.
E, mesmo assim, agindo de forma pré-histórica, acreditam ser os portadores da verdade absoluta, do conhecimento infalível e da moral indiscutível. continuar lendo

Rayan, interessante a parte que você diz que o padre "agiu com base na fé dele", o direito de crença é um direito individual que não cria obrigação a outrem em razão de fé alheia, assim, o padre poderia exercer muito bem o direito de crença dele, caso ele ficasse "grávido", e ai decidisse não abortar.

Se assim não o fosse haveriam muitos disparates jurídicos, como um membro da testemunha de jeová que proibisse a doação de sangue para um ateu, por exemplo.

O padre tem direito de crença sim, mas para ele, não para atrapalhar a vida dos outros.

Essa decisão veio em boa hora, para esses líderes religiosos entenderem que eles mandam da porta da igreja para dentro. continuar lendo

Silas,

O direito de impetrar Habeas Corpus serve para proteger direito alheio também, no caso a criança, logo, o padre poderia usá-lo para defende-la de seus pais.

Além disso, o padre tem o dever pelo juramento que fez de intervir quanto está diante do cometimento daquilo que a Igreja considera pecado, o que o compele a agir, não se podendo dizer que está "atrapalhando", mas sim agindo de acordo com sua fé, logo, livre exercício da crença religiosa previsto na Constituição.

Agradeço seu comentário. continuar lendo

Rayan, mas o direito de crença dele pode ser usado para obstruir um direito da mãe adquirido por sentença judicial?

Aliás um direito individual dele que não tem nenhuma pretensão na lide pois ele não se dispôs a criar, ou a pagar as custas hospitalares. Simplesmente ele queria obrigar uma mãe a prolongar o seu sofrimento ao ver crescer dentro dela um feto que já estava condenado. continuar lendo

"(...) expedit nobis ut unus moriatur homo pro populo (...)." continuar lendo

Entendo que o Judiciário é corresponsável pelo sofrimento, o padre interferiu buscando a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação, por meio de habeas corpus.

Ora, o Estado (Juiz), é quem mais interferiu, pois a decisão foi do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu ao pedido de habeas corpus. Logo, quem prejudicou quem?

Será que também o Judiciário não foi culpado? Será que quando da decisão, isso foi mencionado no voto da ministra? Seria importante, não?

Ainda mais por que a ação por danos morais, posteriormente ajuizada, teve que ir até o STJ por meio de Recurso Especial, para que fosse reconhecido o direito. continuar lendo

No meu entender o TJ também deveria indenizar. continuar lendo