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25 de Abril de 2024

Visitar cadeia deveria ser obrigatório para estudante de Direito, diz Marcelo Freixo

há 7 anos

Visitar cadeia deveria ser obrigatrio para estudante de Direito diz Marcelo Freixo

“Estudantes de Direito não deveriam poder se formar enquanto não tivessem visitado uma cadeia”, afirmou o deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (Psol) nesta terça-feira (28/3). Segundo ele, somente conhecendo de perto a realidade dos presídios é possível ser advogado, juiz, promotor ou delegado socialmente responsável.

“Cadeia tem cheiro. Quem não conhece esse cheiro não deveria poder falar em prisão, falar que um sujeito tem que ficar 15, 20 anos na prisão. Não dá para ficar só nesse trajeto Barra da Tijuca-PUC. O cheiro da cadeia é fundamental para gerar sabedoria jurídica”, disse Freixo em palestra na PUC-Rio, na qual um terço da plateia era de estudantes de Direito.

No debate "Violência Urbana e Crise nos Presídios: os Desafios para o Desencarceramento", promovido pela Frente Estadual pelo Desencarceramento, Caixa de Assistência aos Advogados do Rio de Janeiro e PUC-Rio, o deputado estadual conclamou os magistrados a levarem em conta as condições das penitenciárias antes de fixarem a pena de um réu. De acordo com Freixo — que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro —, os juízes condenam imaginando que as cadeias funcionam da forma como as leis penais determinam.

Mas como raríssimos estabelecimentos prisionais do Brasil operam em conformidade com as regras, os sentenciados, na prática, acabam recebendo punições mais severas do que o que consta no papel, avaliou Marcelo Freixo. A seu ver, aqueles que são mandados para presídios onde não há trabalho, estudo ou condições dignas deveriam receber penas menores.

Ao contrário do que é normalmente apregoado, o membro do Psol garantiu que o sistema penitenciário brasileiro é eficiente. Mas não em reduzir a criminalidade e garantir a ressocialização dos presos, e sim em deter a pobreza — na visão de Freixo, o verdadeiro objetivo das cadeias no país. Nesse sentido, destacou, as prisões são legítimas, embora ilegais.

“O que diferencia o legal do legítimo: muitas coisas que acontecem no sistema penitenciário são ilegais, mas não ilegítimas. O sistema penitenciário está longe de ser legal — talvez seja o sistema menos legal que temos. Mas cada vez é mais legítimo — pelo medo, pela luta de classes, que busca criar os ‘matáveis’, isolá-los. A maioria das pessoas ainda pensa que se prende pouco. Essa mesa é uma bolha. Não é o que prevalece no Judiciário, na política, na academia”, analisou, deixando claro que o aumento no número de encarcerados, impulsionado a partir da década de 1990, foi acompanhado pelo crescimento da criminalidade no país.

Fora da realidade

O juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, também entende que, em geral, juízes são desconectados da realidade. “O Judiciário não pensa na legitimidade das normas. Os magistrados pensam que Direito é ciência. Eles nunca param para pensar que Direito é um instrumento de opressão”, apontou no evento.

Essa alienação, somada ao fato de que o Judiciário é desproporcionalmente branco (apenas 15,4% dos magistrados são negros, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, sendo que eles são 54% da população, conforme o IBGE), faz com que o punitivismo tenha hegemonia nesse Poder. “Perto do que se ouve os juízes dizerem nas pausas para o café, o [deputado federal Jair] Bolsonaro fica parecendo a Madre Teresa de Calcutá”, disse Valois.

Ele também atacou o popular pensamento de que “bandido bom é bandido morto”. “Só que a morte nunca é dos ‘nossos’, sempre é dos ‘outros’. No fundo, essa pregação por mais rigor, por aumento de penas, é só para 'deschavar' raiva de pobre.”

Valois ainda desabafou sobre as cenas que presenciou no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, após participar da negociação para o fim da rebelião que se iniciou no dia 1º de janeiro e terminou com a morte de 58 presos.

“Eu não vomitei. Passei dois dias sem dormir. Mas o mais horrível de tudo foi perder a convivência. Eu ia lá toda vez. Jogava bola com eles. Já lutei jiu-jitsu com eles. O mais tenebroso foi ver uma cabeça de uma pessoa com quem eu já tinha falado, já tinha ouvido pedidos, fora do corpo. Isso foi muito pesado.”

Barreiras à ressocialização

O debate teve um exemplo claro de como o sistema prisional falha em reintegrar à sociedade os que cumpriram suas penas. No final do evento, um psicólogo pediu a palavra e expôs sua raiva contra as barreiras impostas aos egressos das cadeias.

Condenado por tráfico de drogas, ele passou quatro anos em uma penitenciária. Saiu, terminou a faculdade, mas, como ainda não pagou a multa que lhe foi imposta, não consegue tirar título de eleitor, pois os direitos políticos ficam suspensos até o cumprimento integral da pena. Sem esse documento, ele não consegue tirar carteira de trabalho — logo, fica sem emprego.

A história dele seguiu à risca o roteiro citado pela ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro Maíra Fernandes em entrevista à ConJur no mês passado. Presente no auditório da PUC-Rio, a criminalista voltou a defender que aqueles que progridem para o regime semiaberto possam, pelo menos, receber um número de título de eleitor, ainda que ele estivesse suspenso. Dessa forma, poderiam voltar mais facilmente ao mercado de trabalho.

Por Sérgio Rodasmo

Fonte: Amo Direito.

  • Sobre o autor" A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade" Ruy Barbosa.
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Em complemento, o nobre deputado poderia propor visitas aos cemitérios em que estão enterradas as vítimas dos criminosos, bem como aos lares das famílias que sofreram violências nas mãos de marginais. Aí os operadores do direito teriam os dois lados da moeda para avaliar. continuar lendo

Perfeito, João. Acredito que os legisladores também deveriam ser submetidos a esta experiência. continuar lendo

Exatamente, não tem que ver só as condições dos vagabundos, tem que verificar mesmo como ficou as pessoas afetadas pelo crime que o bandido cometeu, isso sim é justo. E outra: cadeia não é para passar colônia de férias, tem que ser ruim mesmo para o vagabundo pensar duas vezes antes de pensar em ir para lá.. continuar lendo

Concordo plenamente com sua opinião João Ricardo, falar de "direitos humanos" somente para um dos lados é fácil, quero ver levantar essa bandeira pra quem sofreu o diabo nas mãos de bandidos ou que perdeu uma mãe, um chefe de família, um arrimo, para esses "pobres coitados"!! continuar lendo

Amei sua resposta.É fácil fazer todos se condoerem com a situação dos marginais, esquecendo-se da atual situação que se encontram àqueles que por estes foram marginalizados, atacados, destruídos, assassinados, estuprados, dilacerados. A família da vitima ou a própia vitima que neste mundo permanece, fica de uma tal maneira tão apavorados, humilhados, sofridos, deprimidos, e ninguém, NINGUÉM, se preocupa em ver o lado deles... Só justificam o fato dos marginais semrem marginais pq a sociedade assim o induz.. AH TÁ! continuar lendo

Legisladores, igualmente, deveriam ser submetidos a alguns pré-requisitos:
1) Curso de administração pública (incluindo gestão financeira e orçamentária);
2) Visitas a unidades do SUS precárias;
3) Presença em cerimônias de funeral de vítimas de alguns destes encarcerados do artigo. continuar lendo

Acredito que os deputados deveriam ser tratados pelo meno uma vez no SUS, como carência aos seus planos de saúde parlamentar. continuar lendo

E os candidatos a juiz deveriam ser obrigados a fazer estágio nas cadeias, nas delegacias igualmente abandonadas e abarrotadas de presos em situação irregular, hospitais do SUS e em muitas outra entidades, porque tem certeza que o direito é uma ciência e porque se "julgam" auto suficientes mesmo sem nenhuma experiências de vida nem de trabalho. continuar lendo